quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Importância de tratar os filhos com empatia

Por Jan Hunt, Psicóloga Diretora do "The Natural Child Project"

          A psicoterapeuta e escritora suíça Alice Miller diz, sem rodeios: "Qualquer pessoa que maltrata os filhos foi ela mesma gravemente traumatizada na infância... não há outro motivo para os maus-tratos às crianças senão a repressão da lembrança dos maus-tratos e da confusão sofridos pelo próprio agressor". Então, como uma criança maltratada pode superar as experiências dolorosas e conseguir dar a seus filhos mais amor do que ela mesma recebeu? Será que essas crianças, ao se tornarem adultas, estão fadadas a reproduzir um ciclo interminável de raiva, agressão e retaliação? Ou existem meios de se interromper esse ciclo e aprender maneiras empáticas e sensíveis de tratar os filhos?
          Embora os pais que ferem tenham sido eles mesmos feridos na infância, a perpetuação desse modelo não é inevitável: algumas crianças maltratadas crescem determinadas a dar a seus próprios filhos a infância que não tiveram. Meu pai, que algumas vezes apanhava ou era menosprezado por seu pai, traduzia esse desejo em "dar a meus filhos uma vida melhor do que eu tive". Mas essa afirmação é de uma simplicidade enganosa. Na verdade ela compreende dois passos difíceis: primeiro a pessoa precisa reconhecer que realmente foi maltratada na infância. Esse é o passo mais difícil, pois as experiências de maus-tratos na infância são tão dolorosas que as esquecemos; elas podem ser inacessíveis até mesmo quando já nos sentimos preparados para nos confrontar com nossas limitações emocionais. Como Alice Miller explica, "muita gente guarda apenas uma vaga lembrança dos tormentos sofridos na infância, pois aprendeu a considerá-los como um castigo justo por sua própria 'maldade', e também porque a criança precisa reprimir os fatos dolorosos para sobreviver" . Mas não é inevitável que a criança maltratada se tornem ela mesma agressora, "se, durante a infância, ela tiver a oportunidade - uma única que seja - de encontrar alguém que lhe ofereça algo diferente de pedagogia e crueldade: professor(a), tio(a), vizinha(o), irmã ou irmão. A experiência de ser amada e tratada com carinho permite à criança reconhecer a crueldade como tal, estar consciente dela e combatê-la".
           Mas a consciência não é suficiente para interromper o ciclo dos maus-tratos. O segundo passo nessa direção é o adulto aprender a se relacionar com os filhos de um modo diferente, que talvez ele raramente ou nunca tenha presenciado em sua própria infância. Como esses pais podem aprender a tratar um filho com dignidade e respeito?
          O Dr. Elliot Barker, Diretor da Sociedade Canadense para a Prevenção da Crueldade contra as Crianças, recomenda quatro medidas fundamentais para os futuros pais e mães criarem filhos emocionalmente saudáveis, "independentemente de quão inadequada tenha sido a sua própria criação" (2).
  1. Um bom nascimento. Como explica Elliot Barker, "se o pai e a mãe estiverem presentes ao nascimento e essa experiência for boa, é mais provável que os pais se apaixonem por seu bebê... o trabalho duro de cuidar do filho vai parecer bem mais leve; eles estarão encantados com a maravilha que é o seu bebê".
  2. Amamentar no peito por um período prolongado. "Amamentar o bebê enquanto ele precisar disso é outra coisa que a mãe pode fazer para permitir que outras coisas boas aconteçam... como por mágica. A amamentação a mantém apaixonada pelo filho. Amamentar durante meses ou anos contribui para que a relação entre mãe e filho sobreviva a tempos difíceis, que de outro modo poderiam causar separação e distanciamento emocional".
  3. Períodos mínimos de separação e consistência no modo de tratar a criança. De acordo com o pediatra William Sears, só os pais estão "perfeitamente sintonizados com as necessidades da criança. Afastar-se em momentos difíceis priva a criança de seu apoio mais valioso e também priva você de uma oportunidade de fortalecer sua amizade... os bebês aprendem a suportar suas necessidades insatisfeitas, mas ao custo de um rebaixamento da auto-estima e da capacidade de confiar" (3).
  4. Planejar o espaçamento entre os filhos. De acordo com Elliot Barker, "cuidar bem de uma criança de menos de três anos exige de pais bem intencionados uma quantidade enorme de tempo e energia. Planejar o espaçamento entre os filhos é importante para os pais não se exaurirem tentando cumprir a tarefa dificílima de atender às necessidades emocionais de filhos com pouca diferença de idade".
          Essas quatro medidas atingem profundamente toda a família. Não só estabelecem a capacidade de amor e confiança do filho como também ajudam os pais a curar as feridas da própria infância. Criando um forte vínculo de amor e confiança entre pais e filhos, essas medidas podem deter o ciclo de maus-tratos em uma geração. Alice Miller nos garante que "é absolutamente impossível uma pessoa criada em ambiente de honestidade, respeito e afeição vir a ter qualquer impulso de judiar de alguém mais fraco... Ela aprendeu desde muito cedo que é correto e bom proteger e ajudar seres pequenos e indefesos; esse conhecimento, gravado em sua mente e em seu corpo desde muito cedo, valerá pelo resto de sua vida". Uma criança assim cresce com a convicção profunda de que é errado ferir um outro ser humano.
          Infelizmente muitos pais recentes ignoram essas quatro medidas fundamentais. Pais agressores, que nunca receberam eles mesmos amor e confiança incondicionais, podem ter dificuldade em encontrar um modo diferente de se relacionar com os próprios filhos. O quê se pode fazer por essas famílias? Alice Miller acredita que mudanças na legislação poderiam obrigar os pais a "resolver o seu passado" se "a lei não permitisse mais que as crianças fossem usadas como bodes expiatórios". Na Escandinávia as leis protegem as crianças dos maus-tratos - não só agressão física e abuso sexual, mas também surras e intimidação. Essas leis não implicam em penalidades; elas têm como objetivo despertar a consciência das pessoas para as necessidades e direitos legítimos das crianças. Será que essa legislação pode funcionar, quando tudo o mais tiver falhado? Alice Miller acredita que "qualquer ser humano encurralado procura uma saída. E fica satisfeito e grato de coração se lhe indicarem uma saída que não implique em sentir-se culpado ou em destruir seus próprios filhos... Na maior parte dos casos, os pais não são monstros - eles são crianças desesperadas que precisam em primeiro lugar aprender a enxergar a realidade e tomar consciência de sua própria responsabilidade".
          O ciclo inexorável dos maus-tratos pode ser interrompido com o tratamento amoroso das crianças por aqueles que atendem famílias, com programas educativos que enfatizem as quatro medidas de empatia entre pais e filhos e mudanças na legislação. Felizmente a capacidade de amar e confiar, uma vez incutida na criança, passa de geração em geração tão facilmente quanto passam a desconfiança e a crueldade. Alice Miller nos garante que "não é absolutamente verdade que os seres humanos precisem continuar prejudicando compulsivamente seus filhos... As feridas cicatrizam e não precisam ser reproduzidas, desde que não sejam ignoradas. É perfeitamente possível... estar aberto para a mensagem que nossos filhos nos passam e que pode nos ajudar a nunca mais destruir a vida e sim protegê-la e permitir que ela floresça".


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